segunda-feira, 26 de março de 2018

Leitura de cartas numa noite maluca (4/3/2018)

Certa noite, depois de um dia na praia, a cigana sugeriu um jogo com os arcanos menores. 



1- [centro da questão] O Rei de Espadas

A carta do Rei de Espadas retrata um homem elegante, com feições bem definidas, barba e cabelos louros, vestindo uma túnica cinza e portando uma coroa dourada. Ele está sentado em um trono de prata em cujos braços está entalhado o emblema da harmonia perfeita, o triângulo equilátero. Em uma das mãos, ele segura uma espada e, na outra, uma balança. Atrás dele, um cenário de picos de montanhas embaixo de um céu com nuvens cinza.

Na carta do Rei de Espadas, deparamo-nos com a dimensão dinâmica, iniciadora e organizadora do elemento Ar. Isso é encenado pela figura mitológica do herói Ulisses, chamado "o Astuto" e com o qual nos encontramos brevemente na carta da Rainha de Paus dos Arcanos Menores, como marido de Penélope. Ulisses, rei de Ítaca, nasceu pela união secreta de Sísifo com a filha do ladrão Autólicos, do qual herdou parte de sua astúcia e inteligência. Ao ser deflagrada a Guerra de Tróia, Ulisses juntou-se aos outros príncipes gregos no assalto a cidade.

Ele provou ser, vez e outra, um conselheiro perspi­caz e um bom estrategista. Foi Ulisses quem primeiro concebeu a ideia do Cavalo de Tróia, aquele cavalo gigante de madeira e oco, enviado para a cidade como presente da deusa Atena, escondendo dentro de seu bojo um destacamento de soldados gregos. Quando finalmente Tróia foi saqueada, Ulisses sempre mostrou ser magnâni­mo com os prisioneiros, prometendo que seriam tratados com justiça, caso se rendessem pacificamente.

Apesar de seus sucessos durante essa guerra, Ulisses não teve muita sorte em seu regresso para Ítaca. Durante dez anos, ele e seus companheiros foram forçados a vagar, levados pelos ventos e en­frentando adversários estranhos e perigosos no decorrer do percur­so e nas terras que visitaram.

Dentre esses lugares, havia a ilha dos Comedores de Lótus, onde os seus homens foram drogados e perde­ram a memória; a ilha dos Ciclopes, onde os ferozes gigantes de um olho só, filhos do deus ferreiro Hefesto, ameaçaram matá-los; e a Ilha da Aurora, terra da feiticeira Circe, onde os seus homens foram transformados em porcos. Ele teve de conduzir o seu navio entre os terríveis monstros marinhos Cila e Caribdes e escapar das sereias que matavam os marinheiros com o seu canto.

Ao longo de todas essas provas, ele agiu com previsão, inteligência, estratégia e astú­cia, impelido pela sua determinação de alcançar o seu lar, apesar das oportunidades de amor, riqueza e poder que se apresentaram durante essa sua viagem.

Ulisses, o Rei de Espadas, é a imagem das mais impressionantes habilidades estratégicas da mente humana. De todos os heróis da mitologia grega, Ulisses é o mais brilhante e o mais criativo, apesar de nem sempre ser honesto, pois seus dons intelectuais o tornaram o mais talentoso dos mentirosos. Mas a sua astúcia não era maliciosa, ele sempre a usava a serviço dos princípios que tinha como sagrados - o triunfo sobre os troianos e a santidade de sua terra natal, sua esposa c seu filho Telêmaco. O Rei de Espadas é um homem de princípios, mesmo que às vezes não coincidissem com os dos ho­mens em geral. Ulisses fez muitos inimigos pois, muitas vezes, os seus princípios não condiziam com a situação que ele enfrentava com seus companheiros.

A figura do Rei de Espadas tem altos ideais sobre a decência, a bondade e a imparcialidade, e o seu comportamento para com os troianos derrotados reflete bem esses princípios. Mas a sua bondade era fria e não decorria de uma verdadeira resposta emocional adqui­rida. Muitas mulheres se apaixonaram por ele, mas a sua única ma­neira de correspondê-las era sexualmente. Portanto, ele nos chega por meio da Mitologia como um brilhante estrategista, um negociante inteligente e manipulador, um homem bom com altos ideais e uma figura fria sem qualquer empatia real por outros indivíduos. Ulisses é a imagem do viandante, não no sentido do Cavaleiro de Espadas que sai em busca de aventuras, mas no sentido de que ele não está arraigado ao coração e, portanto, não está arraigado ao relacionamento com outras pessoas. Suas andanças podem ser interpretadas como uma espécie de homem sem teto, uma falta de ligação que é mais do que compensada por sua decência e inteligência, mas que o isola de seus companheiros e decepciona aqueles que o amam.

O Rei de Espadas incorpora a qualidade de liderança intelectual que é atraente e dinâmica no mundo. A sua ambivalência está em sua tendência à dissociação do sentimento que pode fazer com que pareça um tanto superficial c indigno de confiança. Sem dúvida ele é um homem de altos ideais e, no entanto, também é uma pessoa instá­vel que muda de aliança de acordo com os humores da situação para poder preservar a diplomacia e a cooperação. Apesar de contraditório, em termos, os dois aspectos - de nobreza e de astúcia - da sua natureza surgem da mesma raiz idealista.

No sentido divinatório, quando o Rei de Espadas aparece em uma abertura de cartas, ele anuncia que chegou o momento de encontrar em nós mesmos o dom ambivalente da liderança intelectual e da estratégia. A proeza intelectual e as ideias inspiradas sobre como desenvolvê-las no futuro são qualidades que ele possui em abundân­cia. Algumas vezes essa figura pode aparecer na vida das pessoas na forma de um indivíduo notável, graças aos seus dons mentais e a sua capacidade de promover mudanças no mundo. Mas, se esse indivíduo entrar em nosso ambiente, ele pode ser visto como um ca­talisador por meio do qual podemos entrar em contato com essa di­mensão de nós mesmos.


2- [carta cruzada – o desafio] O Seis de Espadas

A carta Seis de Espadas retrata Orestes em pé, em uma postura digna, dentro de um pequeno barco. Ele está envolto de um manto roxo, olhando para a cidade de Argos, que pode ser vista a distância. Seis espadas estão fincadas no fundo do barco. Em primeiro plano, águas revoltas e nuvens pretas no céu. Mas, à medida que Orestes se aproxima da cidade, as águas estão mais calmas e, sobre a cidade, o céu está mais claro.

O Seis de Espadas retrata uma situação de afastamento de sentimentos turbulentos e difíceis para um estado mais calmo e sereno. Pela aceitação dos próprios limites, descrito no Cinco de Espadas, alguma consciência e paz foram adquiridas e agora se apresenta à frente um caminho mais calmo, mas ainda melancólico.

O Seis de Espadas não é uma carta "feliz", mas sugere uma harmonia que nasce do reconhecimento dos próprios limites e tare­fas. Dessa maneira, apesar de sua difícil missão, o jovem príncipe está em paz consigo mesmo e deixa para trás o estado ansioso, pe­noso e carregado sugerido pelas águas turbulentas atrás dele.

O estado sereno sugerido pelo Seis de Espadas não é tão agradá­vel quanto a nostalgia do Seis de Copas, pois ele não surge de um coração tranquilo, mas da mente serena. Aqui, o mais importante é a percepção interna e a compreensão, pois a serenidade e a passagem calma do Seis de Espadas dependem de enxergarmos e compreen­dermos a maneira pela qual o padrão de nossa vida funciona.

E essa necessidade de enxergar e de compreender que leva muitas pessoas a estudar assuntos como o Taro e a Astrologia, assim como a Psico­logia e as funções da mente humana cm épocas de dificuldade, pois a compreensão faz uma grande diferença quando estamos assolados pelos problemas; enxergar a maneira como arquitetamos os nossos destinos pode, muitas vezes, liberar a ansiedade e promover uma calma aceitação que nos permite seguir adiante.

Os dons que esses simbólicos mapas oferecem por meio do Taro ou de horóscopos são de grande valor, apesar de não escolherem por nós nem mesmo mudar uma situação externa de negativa para positiva.

Mas saber por que estamos em um determinado caminho, como ali chegamos e o que isso pode significar, às vezes, pode fazer milagres. E, portanto, o mar apresenta essa passagem calma e serena.

No sentido divinatório, o Seis de Espadas sugere um período em que a capacidade da mente para compreender ajuda a transformar uma época difícil que provoca ansiedade cm uma passagem mais serena. A percepção interna acalma as nuvens tempestuosas e o indivíduo pode manter a sua dignidade e o auto-respeito.


3- [carta de cabeça – influências racionais ou externas] Três de Copas

A carta Três de Copas retrata o casamento de Eros e Psique. Em pé, no rochedo cercado de água, Psique está com seu vestido de noiva e seus cabelos enfeitados de flores; ela segura um buque de lírios brancos. Atrás dela, está o noivo que ela ainda não pode ver -Eros, o radiante deus do amor, com seu arco e aljava com flechas douradas. Três ondinas ou ninfas dançam em um círculo ao seu redor, cada qual emergindo da água e segurando uma taça dourada em comemoração do casamento.

Os Três de todos os naipes dos Arcanos Menores representam o estágio de uma conclusão inicial. Uma nova dimensão de vida está por começar, enquanto a primeira parte da jornada foi completada.

Portanto, o Três de Copas é uma carta de comemoração, represen­tando uma experiência de realização emocional e a conclusão da atração inicial. O casal uniu-se e há um sentimento de alegria e de promessas. Mas a história de Eros e Psique conta algo muito impor­tante sobre esse estágio inicial de realização e de conclusão. Psique ainda não viu o seu noivo nem, no mito, questiona a falta de um encontro real. Inicialmente ela se contenta em viver com Eros em uma espécie de estado onírico no qual ele volta para ela na escuridão da noite. Portanto, junto com a alegria e a comemoração desse casa­mento, paira uma certa ingenuidade. Esse é o estado imediatamente reconhecível de "estar apaixonado", no qual estamos fascinados pela nossa imagem refletida na outra pessoa, mas também é aquele estado em que o verdadeiro parceiro ainda não é visível aos nossos olhos. O encontro inicial é uma experiência alegre, uma comemoração do amor e da vida, um excitante início. Grande parte da literatura e do drama do mundo retrata a felicidade desse mesmo estado.

Mas a mensagem é: aproveite-o enquanto puder. Há muito mais à frente, alegrias e tristezas, antes que a jornada pelo naipe de Copas se com­plete e que o amor de Eros e Psique surja com todo o seu potencial humano e divino. O Três de Copas é uma iniciação à vida, cheio de promessas. A virgem casa-se e deixa para trás a sua virgindade e a sua inocência. Essa é a carta da transição anunciando outros desen­volvimentos futuros. A jornada ainda não terminou e há muito traba­lho à frente.

No sentido divinatório, o Três de Copas sugere a comemoração de um casamento, o início de um caso de amor, o nascimento de uma criança ou alguma outra situação de realização emocional e de promessas. Mas cada uma dessas situações também é um início, uma iniciação para níveis mais profundos de experiências do coração e o prenúncio de explorações futuras.


4- [carta base da questão – raízes/influências desconhecidas] O Nove de Ouros

A carta Nove de Ouros retrata Dédalo com suas mãos cruzadas em uma postura e sorriso de satisfação. Ele abandonou a sua túnica ocre e avental de couro e agora veste um traje ocre bordado a ouro; em sua cabeça, uma coroa de louros. Aos seus lados, vinhas carregadas de cachos de uva sobem por uma treliça e, mais distante, um cenário de montanhas verdejantes e um calmo mar azul. Junto ao artesão, amontoados no chão, nove pentáculos dourados. O Nove de Ouros retrata um estado de grande auto-satisfação. Dédalo arriscou-se em um empreendimento perigoso, trabalhou com afinco para desenvolvê-lo, assumiu os riscos, sofreu os consequentes perigos e agora admira as recompensas que dignamente mereceu.

A importância e a diferença do Nove de Ouros são que o prazer do artesão não se refere ao aplauso e ao reconhecimento público. Essa é a satisfação solitária da realização de coisas boas, o prazer da auto-suficiência e a realização decorrente dos próprios esforços. Dédalo pode dizer honestamente "eu consegui à minha maneira", pois sua adquirida riqueza é realmente um símbolo do sentido de auto-estima que somente pode decorrer do interior do indivíduo. O artesão fez as pazes com o seu passado obscuro e com seu período de perda e de exílio; ele também conseguiu enganar o rei Minos que o perseguiu em razão da sua decisão de ajudar a rainha e seguir a vontade do deus Poseidon.

O perigo agora ficou no passado e Dédalo pode sentir satisfação pelos seus esforços e sua astúcia que asseguraram a sua sobrevivência, riqueza e posição pelo resto de sua vida. Portanto, o Nove de Ouros é uma carta de recompensa e de realização aos nossos próprios olhos, sabendo que, mesmo que ninguém reconheça o valor do que foi realizado, é bem merecido ser reconhecido por nosso próprio interior. Há uma permanência e uma indestrutibilidade acerca da satisfação representada pelo Nove de Ouros que não está presente em qualquer outra carta dos Arcanos Menores. Essa satisfação depende de nada e de ninguém além de nós mesmos. Uma vez estabelecida, não pode ser destruída, mesmo que toda a riqueza nos seja retirada.

O Nove de Ouros é mais do que uma carta de realização material. Em um sentido mais sutil, ela implica a descoberta de um sentido profundo e permanente de auto-estima, angariado por meio do trabalho árduo ao enfrentar os desafios da vida no nível material e sobrevivendo a todos. . No sentido divinatório, o Nove de Ouros prevê um período em que o indivíduo pode estar honestamente satisfeito consigo mesmo e com o que conseguiu realizar. Muitas vezes, há um forte sentido de identidade, um sentimento de nossas habilidades especiais e o valor de nossa própria vida.

Essa carta reflete a satisfação solitária e auto-suficiente das coisas boas realizadas que não dependem da concordância e da aprovação de qualquer pessoa para promover o prazer e a profunda satisfação.


5- [influências do passado] A Rainha de Espadas

A carta da Rainha de Espadas retrata uma linda, mas fria e severa mulher, vestindo uma longa túnica azul, sóbria e simples. Ela porta uma coroa dourada sobre os seus cabelos louros e está sentada em um trono prateado. Em uma das mãos, ela segura uma espada de prata e, na outra, uma jarra da qual escorre água para o chão. Atrás dela, um cenário de picos nevados pode ser visto sob um céu calmo e azul.

Na carta da Rainha de Espadas, deparamo-nos com a dimensão estável, refletiva e contida do elemento Ar. Isso é encenado pela figura mitológica de Atalanta, a Caçadora, frustrada no amor em virtude de seus ideais demasiadamente altos.

Atalanta, cujo nome significa "Indómita", era filha do rei Jásio que esperava ansiosamente por um herdeiro. O nascimento de Atalanta o decepcionou tão cruelmente que ele a abandonou em uma colina perto de Calidonte. Mas a criança foi adotada e amamentada por uma ursa que a deusa da Lua, Ártemis-Hécate, enviou em sua ajuda. Atalanta cresceu em uma comunidade de caçadores que a encontraram e a educaram. Ela zelava por sua virgindade e sempre portava suas armas. Chegando à idade adulta, ela ainda não se reconciliara com o pai, que se recusava a reconhecê-la.

Atalanta realizou muitos feitos guerreiros famosos, inclusive a famosa caça ao javali calidoniana, durante a qual ela lutou ao lado dos homens e desferiu o primeiro golpe ao javali. Apesar de o jovem herói Meleagro, filho do deus da guerra Ares e o melhor arremessador de lanças da Grécia, apaixonar-se por ela, Atalanta recusou-se em ceder ao destino comum de uma mulher.

Finalmente, orgulhoso pelo feito, seu pai reconheceu-a e prometeu encontrar-lhe um marido nobre. Mas ela protestou dizendo: "Pai, concordo, mas com uma condição. Qualquer pretendente à minha mão deve primeiro derrotar-me em uma corrida a pé. Se não conseguir, deixe-me matá-lo". Como consequência, muitos príncipes infelizes perderam suas vidas, porque cia era a mortal mais veloz da Terra. Apesar do perigo e querendo competir pela mão de Atalanta, um jovem chamado Melânio invocou a ajuda de Afrodite. A deusa lhe deu três maçãs douradas dizendo-lhe que, para atrasá-la durante a corrida, deixasse cair as maçãs uma de cada vez. O estratagema teve sucesso e o casamento se realizou.

Mas ele estava malfadado, pois Melânio persuadiu Atalanta a se deitar com ele no recinto consagrado a Zeus que, irado pelo sacrilégio, os transformou em leões. Os gregos acreditavam que os leões não faziam sexo entre si, mas com leopardos e, dessa maneira, o casal estava condenado a nunca mais provar das delícias do amor.

Atalanta, a Rainha de Espadas, é a imagem do isolamento e da intocabilidade da mente que pode manter um ideal de perfeição a ponto de excluir e desvalorizar todos os aspectos sensuais. A Rainha de Espadas é uma figura fria porque o seu perfeccionismo c a sua identificação com o mundo masculino da mente e do espírito a tor­nam própria para a amizade, mas não para o amor erótico. Portanto, a Rainha de Espadas é uma figura régia e solene, mas também solitária, e essa solidão, muitas vezes acompanhada de orgulho e integridade, não surge tanto das circunstâncias, mas da relutância em permitir que as coisas mundanas demais prejudiquem o ideal da perfeição. O idea­lismo da Rainha de Espadas é sublime e nobre, e há uma lealdade que pode resistir a muitas das provas mais difíceis da vida. Entretanto, trata-se de um idealismo que não permite qualquer fracasso humano.

O mito de Atalanta pode ser encontrado em muitos dos nossos populares contos de fadas, como na imagem da princesa fria que exige que os seus pretendentes tentem realizar tarefas impossíveis para poder conquistá-la. Essa exigência pode ser sutil e até incons­ciente, e fazer com que o amor seja excluído da vida do indivíduo. Por outro lado, ela pode ser uma exigência criativa, porque incentiva as pessoas a serem melhores do que realmente são. Entretanto, é uma visão fria e solitária, pois pretendente algum - ou nós mesmos -pode derradeiramente passar pelas provas impossíveis, senão nos contos de fadas.

E esses contos que se identificam com Atalanta, na vida real, tendem a esperar a vida inteira enquanto a vida mortal transcorre e a água do sentimento escorre desperdiçada da jarra para o chão do tempo c do espaço. Portanto, a Rainha de Espadas, que possui as grandes virtudes da lealdade e da integridade, assim como a capacidade de suportar a tristeza sem esmorecer, é a ima­gem da frustração e do isolamento emocionais, por ela ser intocável.

Assim como o Rei de Copas é uma figura ambivalente porque o papel masculino da realeza está assentado de maneira desconfortá­vel ao lado do essencialmente feminino elemento Água, assim tam­bém é a Rainha de Espadas, pois o papel feminino da realeza está, da mesma maneira, ao lado do essencialmente masculino elemento Ar.

O mito de Atalanta nos transmite algo profundo e sutil a respeito da psicologia da Rainha de Espadas, pois seu pai deseja um herdeiro e recusa-se a aceitar o seu valor como mulher; e foi somente depois de ela provar o seu valor por meio de feitos de armas próprios de um homem que ele a reconheceu. O esforço para a perfeição expresso na imagem da Rainha de Espadas é, de certa forma, o esforço para sermos reconhecidos por um deus-pai que sempre está além do nos­so alcance, pois não somos bons o suficiente simplesmente porque somos feitos de carne. Assim, a Rainha de Espadas aceitará nada menos que a perfeição, porque ela mesma devia ser supostamente perfeita e falhou.

No sentido divinatório, quando a Rainha de Espadas aparece em uma abertura de cartas, ela anuncia que chegou o momento de o indivíduo encontrar a sua dimensão presa indomitamente a uma fé irremovível em altos ideais. Esses ideais podem ser nobres e dignos e podem ajudar a melhorar a consciência e a qualidade de vida. Mas também podem rejeitar a vida e representar uma defesa contra o medo do ser humano e, portanto, vulnerável à dor. O indivíduo precisa ver onde ele poderia criar problemas em sua exigente busca da perfeição humana nas pessoas ou nele mesmo.

Se a Rainha de Espa­das entrar em nossa vida como uma mulher forte, idealista e solitária, ela pode ser considerada um catalisador por meio do qual podemos descobrir esse aspecto em nós mesmos.


6- [influências do futuro] O Ás de Copas

A carta Ás de Copas retrata uma linda mulher de cabelos pretos que emerge de um mar espumante. Ela segura uma única e grande taça dourada. Nesta carta, encontramos a deusa iniciadora que é a força ativa responsável pela lenda romântica de Eros e Psique: trata-se de Afro­dite, que nasceu das águas espumantes, a deusa do amor em seus mais nobres e também mais degradantes aspectos.

Na Mitologia, o nascimento de Afrodite foi muito estranho. Quando, pela insistência de sua mãe Gaia, o astuto Cronos castrara o seu divino pai Urano, ele jogou os seus genitais ao mar. Eles flutuaram na superfície das águas produzindo uma espuma branca da qual surgiu Afrodite. Trans­portada pela respiração de Zéfiro, o Vento do Oeste, a deusa foi levada para as margens de Citera (Grécia) e finalmente parou nas praias de Chipre. Ela foi recebida pelas Horas, as deusas das esta­ções, que a vestiram ricamente, enfeitaram-na com joias e a conduziram para a assembleia dos imortais.

Afrodite era uma deusa complexa. Essência da beleza feminina, tudo nela era puro charme e harmonia. Mas também podia ser ciu­menta, maliciosa, vaidosa, enganadora, traiçoeira, preguiçosa e vin­gadora. Ela espalhou por toda a natureza a alegria de viver, embora também fosse a divindade temerosa que enchia os corações huma­nos com o frenesi da paixão. As vítimas escolhidas por Afrodite so­friam, pois chegavam a trair os seus próprios pais, a abandonar os seus lares ou eram acometidas por paixões animalescas ou incestuosas. Ao mesmo tempo, Afrodite protegia as uniões legítimas e presidia a santidade do casamento.

Em suma, Afrodite é a imagem da força da Natureza. O significado dos Ases nos quatro naipes dos Arcanos Menores é a erupção inicial da energia vital, e a deusa de cabelos pretos que emerge do mar segurando a taça dourada representa o surgimento do sentimen­to primordial. Esse é o impulso para o relacionamento e, se não esti­vermos prontos, então a outra pessoa não aparecerá. Na lenda, Eros e Psique nunca teriam se encontrado se não fosse por Afrodite, pois foi o seu capricho que promoveu a ação da história. Portanto, o Ás de Copas implica o início da grande jornada pelo domínio do coração, no qual a abundância de sentimentos irrompe e impulsiona o indivíduo ao relacionamento.

No sentido divinatório, o Ás de Copas anuncia uma disseminação de sentimento que, apesar de não ter sido evidenciado, surge como primitivo, vital e, muitas vezes, avassalador. No início de um relacio­namento, o potencial está implícito, embora nem sempre seja mani­festado. E o indivíduo está pronto para embarcar na jornada do amor.


7- [posição atual – atitude e auto-imagem] O Oito de Espadas

A carta Oito de Espadas retrata Orestes em uma postura de medo, com suas mãos levantadas tentando afastar o seu destino. Ele está cercado por um anel de oito espadas fincadas no chão. À sua esquerda, Apolo olha para ele de modo severo e zangado. À sua direita, as três Fúrias vestidas de preto, com rostos brancos e feios, e asas de morcego. Ao longe, nuvens ameaçadoras sobre picos nevados.

O Oito de Espadas retrata uma situação de servidão em função do medo. Diferentemente da paralisia apresentada pela carta Dois de Espadas, essa servidão envolve um total conhecimento da situação e as prováveis consequências de qualquer escolha.

Aqui Orestes sabe muito bem o que acontecerá se assassinar a sua mãe ou se ele se recusar a fazê-lo, pois, qualquer que seja a sua escolha, sairá perdendo. Assim, ele fica paralisado tentando afastar de si o momento da escolha. Apesar de as escolhas não serem geralmente tão sutis quanto as de Orestes, entretanto o Oito de Espadas reflete uma situação de indecisão paralisante. Parte do desconforto surge da percepção do indivíduo quanto à exata maneira de como chegou a essa situação, mas já é tarde para remorsos ou para retroceder.

Diferentemente também da cegueira da carta Dois de Espadas, o Oito de Espadas retrata a consciência dolorosa de nossa parte na criação de toda a atual confusão. Esse é o momento anterior a difícil escolha, exacerbado pela realização desagradável de que nós mesmos a provocamos.

Existem muitas situações típicas na vida, nas quais surgem a servidão e a paralisia do Oito de Espadas. Urna das situações mais características é o problema do indivíduo que esteve manipulando duas pessoas uma contra a outra - uma esposa e um amante, um marido c um pai, dois amigos -, tentando adiar a decisão de uma escolha ou de um compromisso.

A tentativa de manter oculto o fato um do outro pode fazer com que a tomada de decisão possa ser mantida em aguardo durante um certo tempo, mas cedo ou tarde haverá uma confrontação e consequentemente o momento de choque, quando se descobre que esse subterfúgio somente piorou a situação.

Desse modo, o Oito de Espadas surge naturalmente do Sete de Espadas, como se a astúcia e a sutileza, apesar de utilizadas por bons motivos e necessárias no momento, tivessem criado a própria armadilha. Então, devemos aceitar a responsabilidade por todo o ocorrido, procurar compreender o que realmente desejamos e agir imediata e definitivamente. Dessa maneira, uma solução é possível.

No sentido divinatório, o Oito de Espadas anuncia uma situação pela qual o indivíduo é impossibilitado de agir por causa do medo das consequências. Uma tomada de decisão é necessária, mas qualquer que seja a escolha, provocará problemas. Existe a conscientização de que o dilema foi causado pelo próprio indivíduo, pois houve um longo passado de recusa, duplicidade, cegueira e medo da confronta­ção, muitas vezes para "evitar ferir" alguém, que sempre está presen­te no impasse. É importante enfrentar honestamente o nosso próprio envolvimento no problema.


8- [ambiente – como os outros te veem] O Rei de Paus

A carta do Rei de Paus retrata um homem elegante com barba e cabelos castanhos encaracolados. Ele veste uma roupa vermelha e uma coroa dourada na cabeça, e está sentado em um trono cujos braços são entalhados em formato de cabeças de carneiros douradas. Em sua mão direita, uma tocha flamejante. Ele está cercado de campos verdes nos quais é possível ver um carneiro parado. Atrás dele, uma linda cidade com colunas e pórticos brancos, coroada por uma acrópole.

Na carta do Rei de Paus, deparamo-nos com a dimensão ativa, dinâmica c senhorial do elemento Fogo, que simboliza a imaginação criativa. Ele é encenado pela figura mitológica do rei Teseu de Ate­nas, com o qual nos encontramos brevemente nas cartas numeradas do naipe de Paus como um dos companheiros de Jasão em sua bus­ca ao Velocino de Ouro. O rei Teseu personifica o espírito excitante, extrovertido, impulsivo, mal-humorado e tremendamente contagioso da energia do Fogo. Sua mãe Etra era amada tanto pelo deus Poseidon quanto pelo rei Egeu de Atenas.

Teseu foi gerado conjuntamente pelos dois, mas desconheceu as suas origens até a idade de 16 anos, quando então saiu em busca de seu lugar como herdeiro de Egeu que resultou em uma jornada cheia de aventuras perigosas. Ele se ofere­ceu como um dos jovens tributos que eram enviados a Creta para alimentar o terrível Minotauro, convenceu a filha do rei Minos, Ariadne, a ajudá-lo a destruir o monstro e voltou para Atenas em triunfo, pas­sando não somente pela violenta luta com o monstro, mas também por fogo, terremoto, tumultos e mares terríveis.

Ao se tornar rei de Atenas no lugar de Egeu, ele teve muitas ideias de como unir as cidades gregas que viviam em constantes conflitos e, por meio de uma combinação de charme, expressão, pro­eza física, uma queda para a dramaticidade e uma mente brilhante, ele conseguiu convencer esses senhores independentes c altivos a se juntarem sob um único governo, o qual ele presidiu como Alto Rei.

As aventuras amorosas de Teseu foram variadas e turbulentas como os seus feitos guerreiros. Constante na perseguição de mulheres, ele finalmente escolheu a amazona Hipólita como a sua rainha, uma mulher guerreira que não se contentava em viver na tranquilidade doméstica e insistia em lutar a seu lado em todas as batalhas. Depois da morte dela, Teseu tornou-se um pirata dos mares, voltando perio­dicamente para Atenas, mas sempre perseguindo um novo sonho, uma nova conquista.

Casou-se novamente com Fedra, uma princesa de Creta que, infelizmente, se apaixonou por Hipólito, o filho de Teseu com Hipólita. Esse dilema resultou no suicídio de Fedra e na morte de Hipólito. Depois disso, Teseu perdeu-se totalmente e acabou se jogando ao mar do alto de um rochedo.

Teseu, o Rei de Paus, é a imagem do fogoso entusiasmo que faz do indivíduo, homem ou mulher, um verdadeiro líder. Esse espírito ardente não é simplesmente impulso, intranquilidade e novas ideias -próprios do Cavaleiro de Paus - mas também é nobreza e força. Teseu não é tão-somente um homem impetuoso, mas um estrategista e um modelador de eventos mundiais, pela sua visão e a força constante em manifestar essa visão, assim como a calorosa e conta­giosa personalidade que consegue convencer os outros de sua validade. Ele não tolera limitações, é impaciente e tem a certeza de estar correto e, inquestionavelmente, é um mau perdedor.

O rei Teseu também é o epítome do homem chauvinista, e esta qualidade não se limita unicamente aos homens, podendo ser encon­trada em muitas mulheres. É o espírito exaltado da procura masculina por aventura, conflito e conquista e, ao mesmo tempo, subestimando as dimensões mais "comuns" da vida emocional e material - que parecem inferiores, tediosas e, portanto, não merecem perda de tempo e esforço.

O rei Teseu é irresistível por ser mais amplo que a vida, e essa qualidade da natureza humana, que tende a se mistificar, assim como "vender" uma grande visão aos outros, também é irresistível e dinâmica. Os indivíduos que possuem neles mesmos o espírito forte do Rei de Paus não se satisfazem com o fato de ser "meros" mor­tais. Deve haver uma causa a ser assumida, um dragão a ser destruí­do, um desafio a ser enfrentado, uma imperfeição no mundo que deve ser corrigida, pois o indivíduo que não está familiarizado com o espírito do Rei de Paus, na melhor das hipóteses, é encantador e fascinante e, na pior das hipóteses, autoritário, irritante, movido pelo poder e perigoso. Mas sem essa qualidade não há o espírito de luta, como também não há a capacidade de melhorar as próprias condi­ções ou as das outras pessoas, pois não existe visão nem confiança para transformar essa visão em realidade.

O Rei de Paus pode ser caloroso e excitante, mas ele é inquestionavelmente egoísta e esse egoísmo essencial, para muitas pessoas, parece ser repreensível e negativo. Mas o rei Teseu é a incorporação do verdadeiro herói, pois a sua convicção é sempre de que a humanidade poderia ser muito melhor do que é.

No sentido divinatório, quando o Rei de Paus aparece em uma abertura de cartas, ele anuncia o momento em que o indivíduo deve encontrar essa dimensão da personalidade que dá início a novas ideias, conseguindo "vendê-las" a outros e gerando uma mudança na própria vida e no ambiente que o cerca.

É o espírito de liderança, a crença de que sempre há uma ideia melhor que vale a pena ser promulgada e trabalhada para que seja manifestada. Essa dimensão da vida pode aparecer na forma de um indivíduo impulsivo que entra em nosso círculo de relacionamentos, alguém que contagia os outros com a força de suas ideias.

O fato de esse indivíduo entrar em nossa vida não é por acaso, mas é o prenúncio da nossa necessidade de desenvolvimento.


9- [esperanças e temores] O Seis de Copas

A carta Seis de Copas retrata Psique sentada sobre um rochedo e, atrás dela, um mar calmo. Em sua mão esquerda, ela segura e contempla o conteúdo de uma taça dourada. Em sua mão direita, os restos de seu buque de noiva de lírios brancos. Ao seu redor, outras cinco taças douradas.

O Seis de Copas é uma carta nostálgica. Aqui podemos ver Psique abandonada; o seu misterioso marido se foi e o magnífico palácio desapareceu; tudo o que ela tem são boas memórias. Entretanto, apesar da catástrofe, Psique parece estar tranquila, pois o Seis de Copas não é uma carta negativa. Com o ocorrido, Psique conseguiu algo muito precioso. Ela realmente viu Eros e agora sabe que o ama pelo que ele é, e não pelo conforto e pelo prazer que ele lhe proporcionava. Portanto, apesar da perda, ela descobriu algo a seu próprio respeito e é essa verdade que promove a harmonia que podemos ver nessa carta.

A calma e a serenidade que muitas vezes ocorrem depois de uma crise em nossas vidas são relacionadas a esse estágio da história. Aqui, os sonhos e as expectativas irreais do passado, por meio de provas e decepções, de certa forma se cristalizam em algo sólido e real. Psique assumiu o desafio de recuperar o seu amor perdido após o arrependimento e o remorso do Cinco de Copas e, portanto, está em paz consigo mesma. O seu amor tornou-se realidade e agora ela tem alguma coisa com que trabalhar. Nesses momentos, a nostalgia do passado sempre volta para nos assombrar, mas existe uma faísca de verdade nele e não se trata apenas de uma fantasia sentimental sem fundamento. Após a auto-recriminação do Cinco, o Seis de Co­pas representa uma retomada positiva na jornada de Psique para o seu objetivo.

No sentido divinatório, o Seis de Copas anuncia um período de serenidade que resulta das experiências dos sonhos do passado. Al­gumas vezes, um antigo amor volta do passado ou o sonho de um desejo antigo parece ser realizável em um futuro próximo. A cegueira própria do estado de "estar apaixonado" solidificou-se e, apesar de o passado parecer maravilhoso, mas irrevogavelmente perdido, uma parte de sua promessa surge no presente, temperada e reforçada. Essa carta implica a nostalgia a respeito do passado, mas com uma diferença: o passado pode levar ao futuro e o sonho passa a ser possível, e até próximo de realização.


10- [resultado final] O Nove de Copas

A carta Nove de Copas retrata o momento de felicidade quando Psique é resgatada do Submundo e reunida a Eros. Em um rochedo cercado pelo mar, Psique e Eros portam guirlandas de flores e se confrontam de braços dados. Ao lado, Afrodite olha bondosa­mente para os dois, levantando uma taça e abençoando essa união. Abaixo deles, seis taças douradas estão cuidadosamente arrumadas em comemoração à reunião dos amantes.

O Nove de Copas é a carta do desejo que representa a satisfação e a realização de um sonho emocional. Psique e Eros estão finalmente reunidos no mútuo amor honesto. Cada um, à sua maneira, traiu o outro e sabe em nível profundo quem é o parceiro; e compre­enderam e perdoaram-se mutuamente. É por isso que Afrodite aben­çoa a união, pois o poder do amor incondicional humano pode afetar até os deuses. Esse momento extático de realização, diferentemente da comemoração inicial do Três de Copas, foi realmente merecido, não pela força, pela vontade ou pela manipulação emocional, ou ain­da pela proclamação exagerada do auto-sacrifício, mas pelo seguro comprometimento interior assumido pelo único ser humano da história. Tudo o que Psique fez e realizou foi em fidelidade ao seu próprio sentimento. E, dessa forma, ela adquiriu o direito de reivindicar o seu marido divino, fazendo com que até os deuses se envergonhassem.

Esse segundo encontro é o autêntico casamento de Eros e Psique, sugerindo o que essa união pode vir a ser, pois ela não surge do simples estado de "estar apaixonado", mas do comprometimento tanto ao amor quanto ao ressentimento, à traição, à separação, ao desespero e à possibilidade da desistência, se for necessária. Isso é raro, pois a jornada de Copas não diz respeito a "estar apaixonado e viver feliz para sempre", para logo se separar quando o amado decepcio­na. Na realidade, trata-se de uma jornada interior ao encontro de um compromisso com os nossos próprios valores de sentimento e, portanto, é uma união tanto interior quanto exterior.

No sentido divinatório, o Nove de Copas anuncia um período de prazer e de satisfação, e a realização de um desejo almejado. Ele representa a recompensa pelos esforços empregados e a validação do nosso comprometimento.


Nenhum comentário:

Postar um comentário